Morreu hoje o Dr Sid Watkins, Médico por muitos anos na F1 e grande amigo de Ayrton Senna, por isso, retirei esse lindo Post do Blog Idade Certa, são palavras do próprio Dr Watkins sobre sua amizade com Senna, vale a pena ler:
Esta é uma história comovente escrita pelo Dr. Sid Watkins
![Dr. Sid](http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/06/Dr.-Sid1.jpg)
“Não costumo ter premonições, mas ao nascer do sol eu estava apreensivo.
Não era com prazer que aguardava aquela corrida, o Grande Prêmio de San Marino de 1994.
Um dia antes, o piloto austríaco Roland Ratzenberger morrera no treino de classificação.
Na hora da preleção aos pilotos, fizemos um minuto de silêncio por Roland.
Olhei à minha volta e vi que a maior parte deles estava reagindo bem, exceto um.
Ayrton Senna — tricampeão mundial de Fórmula 1 e meu amigo próximo — estava chorando.
Neurocirurgião clínico, sou também apaixonado por corridas de automóveis.
![Senna](http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/06/Senna.jpg)
Durante anos uni as duas paixões fazendo parte da equipe médica da Formula 1.
Senti um imenso respeito por Ayrton Senna desde o dia em que o conheci em Kyalami, África do Sul, em 1984.
Apesar de aquela ser a segunda corrida de Fórmula 1 de sua carreira — e de seu carro ser instável –, o jovem brasileiro conseguiu se classificar.
Depois da corrida chegou ao centro médico com fortes cãibras no pescoço e nos ombros.
Estava causando um rebuliço até que lhe expliquei em poucas, curtas e duras palavras que seu estado não era terminal.
Então, ele relaxou e conversamos um pouco.
No final da temporada de 1984, Senna infelizmente apresentou outro problema médico, mais grave.
Dessa vez foi a paralisia de Bell, doença virótica do nervo facial.
Um lado de seu rosto ficou totalmente paralisado: não conseguia fechar o olho e a boca ficou repuxada para um lado.
Ele foi me procurar no Royal London Hospital, Inglaterra.
Receitei-lhe esteróides e sua rápida recuperação deu início a uma relação fraterna que duraria uma década.
Surge uma amizade
Com o passar dos anos, Senna adquiriu a reputação de ter personalidade às vezes difícil — e até mesmo arrogante.
Mas o homem que conheci, que praticamente passou a fazer parte de minha família, sempre foi no fundo um cavalheiro.
Recordo, por exemplo, uma visita que fez à minha clínica em Londres.
Eu estava muito ocupado e pediram-lhe que aguardasse na sala de espera.
Minha próxima consulta era com a simpática senhora Patel, que sofria de paralisia espinhal e estava de cadeira de rodas.
Quando a chamaram, Senna levantou-se e perguntou: “Posso empurrar sua cadeira?”, e foi o que fez, sorrindo.
Nenhum paciente jamais teve um enfermeiro mais habilidoso ou encantador.
Numa outra ocasião, ele veio à Inglaterra atendendo a um pedido de Matthew, meu enteado mais velho.
Senna visitou a escola de Matthew e conversou com os alunos e funcionários durante 40 minutos, pacientemente respondendo a perguntas dos mais novos aos mais velhos sobre todos os assuntos, desde religião até sua dedicação ao automobilismo e suas esperanças para o futuro.
Seu desempenho foi extraordinário.
Mais tarde, durante uma recepção na casa do diretor adjunto, conversou longamente com o bispo de Truro, que estivera na platéia.
No domingo, o bispo começou o sermão com uma bem-humorada confissão: disse que havia sido espiritual e verbalmente superado como pregador por Ayrton Senna.
Homem de visão
Senna e eu tínhamos um laço incomum.
Quando ele chegava a Londres, vinha até o popular bairro do East End para jantarmos num dos restaurantes chineses perto do hospital.
Quando tínhamos tempo, às vezes viajávamos juntos nos feriados.
Numa dessas viagens, descobri algo extraordinário sobre meu amigo.
Admirador de longa data de Jimmy Clark, ás da Fórmula 1 nos
![jim clark](http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/06/jim-clark-300x210.jpg)
anos 60, Senna sempre tivera vontade de ir ao museu de Jim Clark, em Duns, perto de Edimburgo.
Depois de combinarmos com o curador, seguimos para Edimburgo numa tarde de 1991 para conhecer o museu.
A única condição que Senna estipulou foi que a visita fosse particular, sem imprensa, sem publicidade e que, além do pessoal do museu, ninguém mais ficasse sabendo.
Naquele dia eu dirigia.
Quando entramos em Duns, tomei a estrada onde pensava ser o museu, mas hesitei, procurando alguma placa.
– Lá está ela — disse Ayrton.
– Onde? — indaguei.
– No fim da rua — disse ele.
– Está escrito: “Salão Jim Clark”.
Eu não via nem o poste onde estava a placa, quanto mais a placa em si, pois estava a uns 100 metros de distância.
Uma extraordinária acuidade visual era um dos atributos de Senna.
Estou certo de que esse é um dos requisitos para os pilotos de
![Jackie_Stewart](http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/06/Jackie_Stewart-267x300.jpg)
ponta da Fórmula 1.
Jackie Stewart, por exemplo, tinha uma visão notável.
Essa habilidade permite que a noção de profundidade e o cálculo da distância sejam tão acurados que as manobras de ultrapassagem em alta velocidade — atemorizantes para a pessoa comum — possam ser feitas com precisão de computador.
Já no museu, olhamos tudo.
Senna concordou gentilmente em ser fotografado assinando o livro de visitantes.
Mais tarde, nessa noite, voltamos ao aeroporto de Edimburgo, onde o avião de meu amigo nos aguardava.
No caminho ele disse:
– Professor, quero que saiba que o considero ótimo motorista, muito seguro, mas devo dizer que é muito, muito lento!
Esse definitivamente não era o estilo dele.
Na ocasião em que me levou em seu avião a Bolonha, por cortesia perguntei a Senna se gostaria de dirigir o carro que eu alugara.
Ele aceitou e logo encontramos uma longa fila dupla de automóveis parados num cruzamento.
Sem hesitar, Senna disparou pelo meio da fila, com mais ou menos um centímetro de espaço de cada lado.
Quando o sinal abriu, ele arrancou antes que algum motorista indignado buzinasse.
Fiquei paralisado.
Eu havia trincado os dentes com tanta força que, quando chegamos ao hotel, os músculos de meu maxilar ainda estavam doloridos.
Corrida final
Ayrton estava em plena forma para o Grande Prêmio de San Marino de 1994 em Ímola e se classificara para a pole position.
Então veio a horrível notícia do acidente de Ratzenberger.
![Roland](http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/06/Roland1.jpg)
Até então, Senna nunca vira a morte de perto numa pista de corrida.
Nos últimos 12 anos não tivéramos um só acidente fatal na Fórmula 1.
O choque da perda do piloto austríaco deixou Senna arrasado.
Ele se desesperou e chorou em meu ombro.
Em 1994, éramos amigos íntimos havia muitos anos.
Pescávamos juntos, hospedávamo-nos na casa um do outro.
Havíamos conversado e compartilhado nossas preocupações sobre tudo que dizia respeito às corridas e à vida.
![SENNA E DR. SID](http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/06/SENNA-E-DR.-SID-300x247.jpg)
– Ayrton, por que não desiste de correr amanhã? — perguntei.
– Aliás, por que não larga isso de vez?
–O que mais você precisa provar?
Já foi campeão mundial três vezes; evidentemente é o piloto mais rápido.
Desista disso e vamos pescar.
A princípio ele ficou calado.
Então me olhou com firmeza e, já calmo, disse:
– Sid, não posso parar. Tenho de continuar.
A premonição
No dia seguinte, começava a movimentação que antecede a corrida.
Percorri o circuito para me certificar de que as ambulâncias estavam a postos.
Consultei o centro médico para verificar se esse também estava preparado, a equipe alerta.
O dia estava lindo.
Os pilotos começaram a volta de apresentação, com Senna à frente.
Então a luz verde brilhou e foi dada a largada.
De repente, por toda a parte agitavam-se bandeiras amarelas: houvera uma colisão na partida.
Os pilotos dos dois carros avariados pareciam não estar feridos e os outros continuavam a passar em alta velocidade.
Embora a corrida prosseguisse, os escombros ainda se espalhavam pelo local da largada.
Assim, o safety car saiu para conduzir os carros restantes num cortejo lento, evitando os destroços e dando tempo ao pessoal da limpeza para desimpedir a pista.
Finalmente, quando o circuito ficou livre, o safety car retirou-se e os carros da Fórmula 1 puderam acelerar.
Senna vinha na frente, seguido de perto por Michael Schumacher.
Os dois dispararam como raios na volta seguinte.
Nesse momento, tive uma premonição: Vai haver um acidente terrível.
No instante seguinte surgiram as bandeiras vermelhas.
Não sei como, mas tive certeza de que era Senna.
![senna_Unfall_94_IMOLA](http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/06/senna_Unfall_94_IMOLA-300x199.jpg)
Quando cheguei ao local do acidente, eu o encontrei afundado no veículo.
O médico do primeiro carro de socorro estava com ele, segurando-lhe a cabeça, ainda de capacete.
Fizemos um esforço desesperado para cortar a tira, apoiamos o pescoço de Senna e tiramos o capacete.
Seus olhos estavam fechados.
Inconsciente, ele parecia sereno.
Levantei-lhe as pálpebras.
Era evidente, pelas pupilas, que tivera uma grave lesão cerebral.
Delicadamente, nós o tiramos do cockpit e o deitamos no chão.
Nisso, eu o ouvi suspirar.
Senti que sua alma partia naquele momento.
Chegou mais socorro.
Fizemos vários acessos venosos no corpo inerte. Eu ainda sentia seu pulso.
Chamamos um helicóptero ao local e meu amigo foi levado às pressas para o Hospital Maggiore.
Mas, tendo visto a extensão dos ferimentos, sabia que ele não poderia sobreviver.
Percebi que de nada adiantaria eu ir.
Não poderia fazer mais nada para ajudar.
Apanhei o capacete de Senna e o deixei no centro médico, em lugar seguro.
Soube que a corrida logo recomeçaria.
A equipe de limpeza espalhou cimento em pó para absorver o vazamento do carro de Ayrton, marcando o lugar em que eu perdera meu amigo tão querido.
A corrida prosseguiu, dessa vez sem novidades.
Somente mais tarde, foi feito o triste anúncio de que Senna havia morrido.
Desde o acidente, freqüentemente revivo as recordações de meu amigo.
Uma imagem em especial permanece.
Em março de 1993, antes do treino para o Grande Prêmio do Brasil, Senna convidou-me para pescar em sua fazenda em Tatuí, interior de São Paulo.
Fomos de helicóptero.
Anos antes, havia mandado prover de peixes o lago de sua propriedade.
Nessa noite houve uma forte tempestade e ficamos sem eletricidade e sem telefone.
Quando soube que eu tinha de ligar para casa, Senna, solícito, levou-me a uma cidadezinha a 65 quilômetros dali, guiando velozmente através de estradas inundadas.
Encontramos um telefone público.
Estávamos tentando fazê-lo funcionar quando um grupo de crianças se aproximou.
Por fim, achamos um mecânico, que reconheceu Senna, e me deixou usar seu telefone.
Fui fazer a ligação.
Quando voltei, um número maior de crianças havia se aglomerado.
Sempre me lembrarei de Senna naquela noite, rodeado de crianças entusiasmadas, pacientemente assinando autógrafo após autógrafo à luz de um solitário lampião de rua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário